Dia após Dia

O banco de praça onde tudo começou ainda continua rígido e sólido, passei por lá há algumas semanas. Tenho passado dia após dia. A cidade ainda está em obras e os desvios nas ruas do bairro me forçam a passar em frente ao nosso início. Maldita gestão municipal que me faz reviver você e o nosso tudo todas as manhãs. Logo agora que estava tão lúcida, tão eu, tão minha me vejo sendo sua por cinco minutos relembrando minhas mãos descendo em seu pescoço e o seu rosto corado por ter o corpo aquecido pelo toque. Você e sua ingênua dificuldade em admitir desejos. Eu e minha boçalidade em assumir riscos tão altos, caros e impossíveis.

Quanta pretensão achar mesmo que seria a mulher da sua vida, que iria acordar todos os dias sentindo o cheiro bom que o seu pescoço tem, pensar que enxergaria a beleza e a leveza de viver todos os dias no verde amarelado dos seus olhos que insistem em brilhar até quando não se tem sol. Quanta pretensão minha! Achar mesmo que você poderia ser o homem da minha vida, aquele que seria o pai do meu filho, que teria seu nome e seus olhos, que iria gostar de futebol e filosofia. Quanto pretensão vislumbrar você sendo dono das minhas alegrias, das minhas calopsitas, da minha gargalhada alta e de tudo mais que for meu. Quanta imaturidade pensar que poderia ser de alguém e não apenas minha, que poderia ser pra sempre e sem fim, com amor e de verdade. 

Pobre menina, deve pensar a senhora que faz cooper e me olha de longe curiosa durante meus cinco minutos de luto diário. Tão jovem, tão linda poderia estar aproveitando o sol, curtindo a doçura dos vinte e poucos anos, mas não, dia após dia sentada nesse banco velho vendo árvores. Que graça tem apenas olhar? "Se eu não tivesse marido e filhos? Ah minha filha eu estaria dançando coladinho com algum rapaz novo e bonito!", me disse um dia entre uma e outra volta apressada. Se eu não tivesse esse amor dentro de mim, se eu não desejasse apenas um corpo, apenas um rapaz, se não enxergasse beleza apenas em um ser nessa terra, se não tivesse ouvidos apenas pra uma música. Se eu soubesse ao menos dançar! Quis responde-la, apenas quis. 

Dia após dia, noite após noite, semestre após semestre você aqui em todos os lugares da casa que nunca conheceu. Em todos os lugares do corpo que talvez nem lembra mais. Em todos os planos e sonhos de futuro as quais nunca vai saber. Em todos os textos que talvez nunca leia. A saudade deve ser isso, conviver com a ausência que insiste em sobreviver. Arrumar o quarto para aquele que nunca virá. Ensaiar diálogos que nunca serão ditos. Noites de amor que nunca serão gozadas. Dia após dia você vivendo em mim. Dia após dia eu sendo sua, mesmo sem pertencer. Dia após dia sentada em bancos, observando senhoras passarem, carros rodarem, passarinhos cantarem e vidas acontecerem lembrando suas frases sussurradas no meu ouvido e como sua voz era doce falando meu nome: eni... eni... Dia após dia eu sendo sua eni, apenas sua, estacionada, parada em uma dor que não cessa. Enguiçada em um sentimento que não se esvai. A espera, apenas. 

Outro dia cheguei de tênis. Andei timidamente em meio às senhoras, ouvi histórias engraçadas de penetra entre uma e outra ultrapassagem, mas me movi. À noite o sono veio mais leve, o corpo cansado venceu a vontade de sofrer por saudades e dormi uma noite inteira.Depois disso, dia após dia e eu correndo dando voltas na nossa praça, na rua, no bairro. Dando voltas na pista de corrida da universidade. Cansada. Exausta. Sofrendo diferente. Chorando através do suor, olhando no espelho e me sentindo mais linda e atraente pra você.  Mordendo travesseiros madrugada adentro pra disfarçar a dor do não ter. Esperando dia após dia por você... Até que um dia, entre uma e outra corrida, entre uma e outra olhada no espelho talvez eu me pergunte quem afinal é você... Quem foi você... Quem era você. Você? Quem mesmo?

Nayara Fontenele
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